Eu também já fui anestesiada pelos vídeos e livros sobre manifestação. Eu também já assisti gurus como quem enxerga uma luz no fim do túnel. Eu também já me comparei com as influencers que ensinam sobre manifestação enquanto fazem suas compras com o dinheiro de seus pais.
E que época boa, simples. Em que tudo parece possível.
Em 2021 eu coloquei algumas teorias à prova e realmente manifestei algumas coisas: um apartamento, um relacionamento, um emprego muito bom.
O mundo inteiro estava ao meu alcance e eu comprovava essa ideia quase diariamente. Eu dizia “você só precisa reprogramar suas crenças e o mundo vai espelhar as crenças positivas de volta pra você!”
E era verdade. Era tudo verdade.
Até que, no final de 2022, algo horrível aconteceu. Uma morte. E logo em seguida, no mesmo mês, outra morte. Perdi duas pessoas amadas num intervalo de três semanas. Tudo o que eu tinha aprendido foi colocado à prova da maneira mais intensa possível.
Onde estava o reflexo daqueles pensamentos positivos? Parecia que meu espelho tinha quebrado e aberto uma fenda para uma realidade que eu não queria enxergar.
Velórios, culpa, raiva, medo do futuro.
Todas aquelas teorias lindas sobre manifestação pareciam ter se dissolvido no líquido espesso e sujo da “vida real”. E na tentativa de me agarrar nos poucos fiapos de esperança que boiavam, percebi que pensar positivo e reprogramar crenças nunca foi suficiente.
Era preciso crescer.
Desde então venho aprendendo que a manifestação não é simplesmente um processo de criação, mas de transformação.
Nós não criamos a realidade. Dá pra dizer que podemos criar experiências dentro de uma realidade que já existe, mas hoje acredito na manifestação como algo ainda mais alquímico do que isso: a natureza não cria nada partindo do zero absoluto — e nem nós.
Esse aprendizado me levou a “instalar” vários filtros para consumir conteúdos sobre manifestação, e mais filtros ainda na hora de falar sobre ela.
Porque é muito fácil entender a manifestação como um processo de “conseguir o que eu quero”, mas pra mim, viver assim é copiar todos os processos de colonização já empreendidos na história da humanidade: é tirar de um ecossistema aquilo que nos beneficia, sem oferecer nada em troca; é poluir — a si e ao mundo —; é se desgraçar no hiper consumismo, na comparação e até na manipulação para conseguir o que se quer.
Ainda assim, é verdade que nossas crenças cumprem uma função importante nos nossos processos de manifestação. A realidade que vivemos é, sim, um espelho.
Só que precisamos fortalecer (ou mudar) nossas crenças não só para obter mais, mais e mais, mas para lidar com circunstâncias, para persistir diante de desafios, para oferecer e para servir (mais, mais e mais).
As fendas abertas em nossos espelhos que nos conectam com a morte, a perda, a instabilidade e a injustiça não são “uma manifestação dando errado”, mas um convite a transmutar.
O que você tem a oferecer a um ecossistema em colapso? O que você pode fazer, de que maneira pode utilizar seus recursos para lidar com circunstâncias desafiadoras?
Crenças e transmutação
Um sistema de crenças é um conjunto de crenças construído com base nos padrões (de acontecimentos e informações) que percebemos ao longo de nossas vidas.
O nosso sistema de crenças cumpre uma importante função nas nossas decisões, comportamentos e até nos pensamentos que reproduzimos, fazendo com que nossas experiência de vida seja limitada a ele.
Vou dar um exemplo rápido: uma criança que escuta a mãe dizer "os homens são todos traidores" repetidamente, buscará inconscientemente confirmar este padrão, e se não tomar consciência deste padrão, vai continuar atraindo (ou percebendo) apenas homens que confirmam esta crença, que foi construída ainda na infância.
Para manifestar, é preciso entender que este mesmo conceito depende da sua percepção sobre o que você pensa, ouve, vê e sente.
E a percepção é, entre outras definições, aquilo em que estamos condicionados a concentrar nossa atenção, através de nosso sistema de crenças.
Portanto, o que você está manifestando de fato é sua percepção da realidade, porque a "realidade real" engloba tudo o que existe no universo (mesmo nossos sonhos, vida após a morte, etc.), e o que você está fazendo quando manifesta é, simplesmente, permitir-se perceber as coisas que você realmente deseja perceber dentro do todo que existe.
No entanto, escolher cegar-se para circunstâncias desafiadoras é alienar-se, e por isso falo em transmutação.
Nós temos a habilidade de transformar uma situação de dor em uma situação de acolhimento; um evento de caos num evento de aceitação; uma perda em uma oportunidade.
Isso é manifestação — não, é mais: é transmutação.
Não é tão difícil quanto parece
A fórmula é simples:
construa crenças alinhadas com as experiências que você quer viver (você pode fazer isso utilizando afirmações produtivas);
ofereça alguma coisa em sua realidade em troca de sua manifestação (exemplo basicão: se você quer manifestar um corpo saudável, ofereça seus maus hábitos alimentares em troca desse objetivo — isso é transmutação);
permita que o universo faça o trabalho dele e aguarde sentadinho(a) sobre a fé.
Transformar sua realidade, às vezes, é recolher os caquinhos de espelho quebrado e reorganiza-los de modo a formar uma bela montagem.
É ressignificar o caos através da fé ao invés de se entregar para ele.
E, principalmente, é ter a humildade de reconhecer-se como parte de um mundo que não existe só para você.
a sua frase "o que você pode oferecer a um ecossistema em colapso?" traduz tanto tanto o meu momento. eu sinto que existe um grande movimento acontecendo de nós, astrólogos ou tarólogos ou profissionais de autoconhecimento, em querer sair correndo de qualquer rede social e ir para as montanhas rsrs, porque afinal sentimos como o campo tá pesado. porém, eu penso justamente isso... eu sou uma pessoa que posso oferecer um pouco de perspectiva contra a maré para alguns que tão navegando nesses lugares sociais sem saber pra onde ir. é lá que tenho que estar mesmo (com limites claro). sabe? adorei a reflexão =)