uma coisa que escuto com muita frequência é “eu sei o que preciso fazer, mas não consigo começar”. acho que esse é um clássico da contemporaneidade. pra todo o momento em que você se sentir perdido, aéreo ou sem estribeiras, escute esse episódio.
oi, meu nome é bibiana, e eu sou uma escritora e cartunista brasileira independente. nessa série de episódios, eu tô ilustrando cada uma das 78 cartas de tarot no meu traço e falando sobre temas pertinentes ao arcano da vez. hoje, vou falar sobre o imperador e uma de suas lições mais marcantes pra mim, que é “comece pelo básico".
na maioria dos baralhos, o imperador é representado como um homem sentado em um trono, e ele passa a impressão de ser um grande líder.
pelo nome, a gente já presume que o cara tem um império, e um governante tão poderoso com certeza precisa ter atributos coerentes com sua função. ele precisa ser um grande líder, ou um grande estrategista, ou muito corajoso, ou muito respeitado, ou muito diplomático, ou muito poderoso, ou muito rico, ou todas e ainda outras coisas juntas.
no caso do imperador, que é associado a marte e ao signo de áries, algumas características dele são a firmeza, a coragem, a disposição para fazer o que precisa ser feito, para criar, construir e conquistar o que seu império necessita.
a cor vermelha quase sempre é bem presente nessa carta, o que a gente pode correlacionar com o chakra raiz, que é aquele vórtice energético, segundo a yoga, que fica bem na base da nossa coluna, e diz respeito a tudo o que é essencial à sobrevivência, à materialidade.
mas, vamos combinar, nem todos nós somos grandes líderes naturalmente, nem temos a maior das coragens e nem desfrutamos dos recursos materiais ou da assistência de que um imperador desfruta.
e é aí que entra a sabedoria dessa carta: o imperador não nasceu um imperador, ele se tornou um. e foi justamente o processo de se tornar um grande líder, um grande empreendedor, que lhe deu a possibilidade de construir e exercitar as qualidades que fazem um grande governante.
a maioria de nós nasce e se desenvolve em contextos que limitam os nossos sonhos e desejos; seja pelas condições financeiras da nossa família, pelos valores morais e religiosos da nossa comunidade, por questões de saúde mental que enfrentamos ou pelas experiências traumáticas a que fomos submetidos, é difícil simplesmente conquistar e materializar aquilo que queremos.
vamos partir desse princípio: é difícil mesmo.
justamente por isso, o imperador ensina que precisamos ter uma base muito forte pra que, conforme formos construindo estruturas mais altas, elas não desabem por conta de um ventinho qualquer de inconveniência.
então, mesmo sabendo que hoje não somos capazes de construir uma edificação de 18 mil andares, e nesse cenário, imagine que o décimo oitavo milésimo andar seja o nosso objetivo final, podemos começar, ainda hoje, a estruturar e fortalecer a nossa base.
e o que é a base, afinal?
difícil responder assim, sem saber qual é o seu objetivo. mas, pra uma pessoa que quer aprender a falar um novo idioma, na minha opinião de ex-professora de inglês, a base é treinar o ouvido, entrando em contato com o idioma falado diariamente. mesmo que você não entenda quase nada, é importante aprender a identificar através da escuta, afinal nós todos aprendemos nosso idioma assim: ouvindo e copiando. a não ser que você tenha uma deficiência auditiva, claro.
se a sua meta é juntar uma quantidade específica de dinheiro, a base pode ser… conseguir um emprego, ou pelo menos ter uma forma de fazer esse dinheiro chegar até você.
se você quer passar num concurso, o básico pode ser criar um plano de estudos.
se você quer ser famoso, o básico pode ser trabalhar na sua autoconfiança.
de qualquer forma, onde quero chegar é aqui: precisamos ter uma estrutura para seguir, um planejamento, uma motivação ou um objetivo palpável. do contrário, fica muito fácil desistir.
se eu me propor a ter um milhão de reais sendo que nunca consegui guardar sequer 20 mil, eu sempre vou ter a impressão de que esse objetivo está muito distante, de que ele é impossível.
começar pelo básico é aprender a identificar os possíveis caminhos até minha meta e aprender a vivenciar cada uma das fases do caminho escolhido, tipo… construir um andar por vez, me preocupando com o que é necessário pra deixar cada andar firme, bem acabado e forte para sustentar o próximo.
(eu não faço ideia de como construir um prédio, sei lá se é de andar em andar, mas dá pra entender a analogia, né?)
e sabe, às vezes, o básico é o saneamento, a qualidade de vida, o acesso à educação que o sistema não proporciona pra você. então, lembre-se que muitas vezes começar pelo básico é se politizar. é lutar pelos seus direitos e é resistir aos “ismos” estruturais. machismo, racismo, capitalismo.
o número quatro, através de todo o tarot, fala sobre base e estrutura. é só pensar na forma do quadrado e sua geometria firme, estável. o quadrado tem 4 cantos e serve como uma base muito sólida para vários tipos de estruturas, como um cubo ou uma pirâmide. as mesas e cadeiras também muito recorrentemente têm 4 pés, porque 4 é um número com o qual você pode contar, não é mesmo? você não olha pro numero 4 e pensa: confiável, seguro, responsável? sou só eu?
e é essa a postura, firme, responsável, confiante, que o imperador nos incentiva a ter. ele nos lembra que uma pessoa que nunca se posiciona, que não tem convicções, é facilmente moldada pelo ambiente e pelos desejos alheios.
e que uma pessoa que não confia em si é incapaz de ser comprometida com suas vontades; e que uma pessoa irresponsável nunca terá condições de concluir qualquer tipo de ideia.
é claro que, quando você é rígido demais e tem convicções demais, você corre o risco de ser um babaca, mas esse é assunto pra um outro episódio.
começar pela base é se firmar em suas convicções e valores de tal modo que opiniões, deboches, desencorajamentos e desafios não derrubem você ao longo do caminho.
você tem todo o direito de esmorecer, de se sentir cansado, de descansar e de se frustrar conforme vivencia seus processos de conquista e crescimento, mas desistir só é uma opção pra quem não tem o básico bem estruturado; pra quem não está comprometido consigo e com seus ideais.
e se você tá se sentindo meio frouxo aí onde você tá, das duas uma: ou você precisa dedicar mais tempo a trabalhar no básico, ou você precisa reconhecer que não quer esse caminho, que não está comprometido de verdade com ele.
pra quem não sabe por onde começar, ou pra quem ta com dificuldade em continuar, é importante revisar a base: você está tendo suas necessidades básicas atendidas? o seu corpo está bem nutrido? você está desfrutando de um ambiente seguro? você tem acesso à educação e informação de que precisa? você tem saúde?
pra quem vem da pobreza ou de um contexto familiar muito conturbado, é preciso reconhecer que o básico leva mais tempo. aquela pessoa que já tá com 17 mil andares construídos provavelmente teve pais presentes, educação de qualidade e dinheiro na conta. que bom pra ela, espero que ela faça bom uso das oportunidades que recebeu. espero que ela não divulgue cassinos e nem vire influenciadora de extrema-direita.
o seu caminho é outro.
e talvez ele seja muito melhor do que parece na teoria. talvez ele seja mais fácil. talvez você encontre pessoas pelo caminho que te presenteiem com tijolos pra ajudar na construção, ou que trabalhem ao teu lado pra levantar essa estrutura mais rápido. talvez as pessoas gostem de te assistir construindo e você seja uma inspiração pra quem veio do mesmo lugar que você.
mas pra saber como vai ser, tem que começar. e a cada andar que você sobe, fica mais difícil desistir, porque você se fortalece, se encoraja e se transforma no líder da sua própria vida. e quem entregaria esse império de mão beijada de volta para as limitações do mundo?
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tcha-au!
texto incrível. obrigado
Oi Bibi, parabéns pelo texto. Acho interessante como o 4 é retratado no tarot, com essa "solidez". Mas o que me chama atenção é que no Eneagrama Sagrado o quatro é chamado de "O Individualista" e ele é representado como alguém que não consegue definir quem é quando não está conectado com A Fonte (Deus). Então é um número que vive em um estado de "sublimação artística", sem nunca saber quem é. É um dos números mais difíceis de entender. Será que existe uma conexão entre o 4 do eneagrama e o 4 do tarot? Fiquei me perguntando. Adorei o texto!