perguntas complexas não têm respostas simples
e às vezes tá tudo bem não saber responder
eu entendo a busca pela ciência nas gerações mais novas como um ato disruptivo: depois de milênios religiosos, em que a verdade era um verso decorado, uma oração e um flagelo, questionar já era, em si, um ato de rebeldia.
buscar respostas lógicas e não pautadas na fé foi, irrefutavelmente, uma forma de buscar, também, liberdade. a mente científica não tem preconceitos – tem curiosidade.
e o decrescente número de fiéis religiosos (pelo menos na realidade na qual estou inserida, ou seja: uma América Latina católica por obrigação e uma cultura pop que reverencia os Estados Unidos e a Europa) torna parte da população um pouco mais sensata. perceba que eu disse “uma parte” e “um pouco”.
e no entanto, somos ainda um povo supersticioso, acomodado e manso.
por quê? (é uma pergunta sincera)
ciência e religião como facetas da verdade
de maneira geral, fanáticos religiosos e céticos de carteirinha têm um comportamento muito similar. o primeiro é intolerante aos fatos, supondo que a fé sustenta a verdade e, o segundo, é intolerante à fé, supondo que a verdade é integralmente tangível.
conversar com qualquer um deles é chato, porque parece que estou falando com uma televisão – a programação será rígida e indiferente ao meu posicionamento.
embora eu seja bastante simpática à ciência, tendo aliás sido pesquisadora nos anos de faculdade em direito internacional e, ainda antes disso, selecionada como bolsista CNPQ nível médio na área da biologia, eu também tenho apreço pela fé.
não sigo religião nem coloco minha mão no fogo por um artigo científico – ambos já demonstraram poderem ser facilmente manipulados pelos interesses econômicos de um indivíduo ou conglomerado empresarial.
mas o que me inspirou realmente a escrever este texto foi um story que vi, desavisada, postado na conta de uma mulher que cria conteúdo sobre espiritualidade (nem religião, nem ciência, mas nem por isso um conteúdo sensato).
o story tinha várias perguntas enviadas pelos seguidores dela sendo respondidas de acordo com sua opinião. lembro somente vagamente de algumas perguntas, mas o tom da coisa era mais ou menos assim:
você tem medo de algumas pessoas? não, porque eu não julgo, e se não julgo não há por que ter medo.
você acha dar ghosting certo? sim, porque não acredito em responsabilidade emocional.
e por aí vai (ou ia, eu não tenho certeza, faz um tempo que parei de acompanhar essa pessoa).
nesse mesmo dia, apenas algumas horas mais tarde, entrei no YouTube para assistir um vídeo do Junior Kuyava e lá pelos 5 e tantos minutos de vídeo ele fala “não confie em quem tem respostas simples pra tudo”.
comecei a pensar sobre isso. passei dias, semanas, quase um mês refletindo antes sentar aqui e finalmente começar a escrever.
e analisando apenas com a minha experiência de vida – um tanto limitada, devo dizer –, percebi que igrejas têm respostas simples para tudo, e talvez correr para o extremo oposto (será que a ciência seria o extremo oposto da religião, realmente?) parece bastante sensato.
ainda assim, pessoalmente acho a ciência muito limitada aos interesses do capitalismo, então fica difícil utilizar ela como uma régua exclusiva para medir a realidade.
a ciência dos alimentos, por exemplo, nos dizia há anos atrás para comermos margarina; hoje a margarina está associada ao alzheimer. certo, talvez não se imaginava isso no passado, mas estamos constantemente sucetíveis a adotar comportamentos (geralmente de consumo) “baseados na ciência” até que uma nova pesquisa tire sua credibilidade.
e pra registrar: já vi muitas capas de revista demonizando e depois santificando alimentos como o ovo, o café, a banha… imagino que você também.
também acho interessante notar que tanto ciência como religião utilizam seus métodos para assassinar pessoas inocentes: a ciência, criando armas; a religião, justificando as motivações.
eu falo mais sobre observar a vida de uma perspectiva científica vs. religiosa no episódio 1 do meu podcast!
respostas simples (demais)
mas voltando ao story, fiquei um tanto surpresa ao ver, particularmente, o comentário sobre ghosting e responsabilidade emocional, porque lembro de ter me perguntado “será que lidar com as pessoas pode ser mesmo simples assim?”
primeiro, esclareço que responsabilidade emocional é “a capacidade de assumir a responsabilidade por si mesmo, pelos seus pensamentos, sentimentos e comportamentos”[1].
agir com responsabilidade emocional não significa assumir a carga emocional do outro – pelo contrário, inclusive! quando somos emocionalmente responsáveis, damos ao outro, justamente, oportunidade para que ele faça o trabalho que lhe cabe em uma relação interpessoal.
talvez a autora do post tenha confundido responsabilidade emocional com responsabilidade afetiva:
a responsabilidade afetiva está relacionada com o cuidado e atenção que se deve ter nas relações interpessoais, especialmente nas afetivas. É importante reconhecer a importância das emoções e do bem-estar emocional das pessoas com as quais se relaciona [2]
apesar das diferenças conceituais, ambas concordam que é responsabilidade “minha” me comunicar de forma clara, estabelecer limites, respeitar acordos etc.
lembro de um vídeo postado pela mesma criadora, talvez no mesmo dia desse story, em que ela explicava que, para ela, dar e receber ghosting era leve (palavras dela, eu não sei se entendi exatamente o que isso significa); que ninguém tem obrigação de responder os outros na internet; que somos pessoas livres e não devemos justificativas aos outros.
e agora começo a explicar por que perguntas complexas não podem ser respondidas de forma simples, na minha opinião.
primeiro, a cultura criada nos últimos anos na internet, que nos apressa a condensarmos nossa opinião a um vídeo de, no máximo, 3 minutos, cria exatamente esse tipo de dinâmica em que o criador de conteúdo se vê obrigado a entreter e não ser muito chato para abordar um assunto, e aí acaba por deixar setecentas mil pontas soltas num argumento (mas tudo bem, porque isso gera a porra do engajamento).
segundo, quando afirmamos coisas em absoluto, estamos desconsiderando momentos em que essa afirmação não será coerente com as circunstâncias.
por exemplo(s):
quando um estranho me manda uma DM no meu instagram profissional que não tem a ver com o meu trabalho, eu (realmente) não sou responsável por dar uma resposta. não é minha atribuição ser simpática, boa praça, amigável ou disponível integralmente.
quando um amigo me envia uma mensagem, eu também não tenho obrigação de responder, mas nesse caso, a minha falta de responsabilidade emocional pode repercutir de forma negativa na minha amizade, justamente porque o outro também não tem a obrigação de interpretar o meu silêncio com neutralidade.
quando alguém me liga em situação de emergência, não é minha responsabilidade atender (até por que eu não tenho conhecimento de que se trata de uma situação emergencial), então o que resta é lidar com a consequências da minha escolha futuramente.
em todos esses casos, perceba, eu estou concordando que a responsabilidade emocional não é obrigatória, mas também estou lembrando que existem consequências (às vezes irremediáveis) para a nossa “leveza”.
e é por isso que não sou fã nem dos conteúdos “short-from” (e no entanto me vejo obrigada a produzi-los para sobreviver) e nem de afirmações simples que muito impropriamente insinuam que nossas questões podem sempre ser solucionadas com iniciativas unilaterais e objetivas.
“está depressivo? é falta de Deus”
“não consegue emagrecer? é só fazer déficit calórico”
perceba como ambas as frases acima são respostas simples para questões que podem ter camadas muito mais sutis do que a obviedade da solução.
explico: a “falta de Deus” ou falta de espiritualidade pode ser uma justificativa plausível quando se fala em depressão, afinal a apatia pode ser resultante do niilismo (nem sempre, mas no meu caso foi mesmo!!).
só que “buscar Deus” não é uma solução prática e, mais do que isso, quando estamos deprimidos e encontramos consolo em algum meio espiritual, estamos suscetíveis às intenções (nem sempre puras) dos líderes religiosos/espirituais ao nosso redor, e como estamos num momento de fragilidade emocional, é facinho sermos maliciosamente manipulados… isso pra citar somente algumas das problemáticas com essa resposta.
explico também a segunda frase: é óbvio que o déficit calórico é um método cientificamente eficiente para perder peso, no entanto afirmar que ele basta é deixar de considerar eventuais questões hormonais, emocionais e comportamentais (que podem ser inclusive decorrentes de trauma).
quando a objetividade é necessária
é verdade que ser objetivo também compensa. tem momentos em que a vida nos exige um pouco mais de assertividade e, sem ela, podemos ficar reféns de uma espiral infinita de pensamentos nada produtivos.
eu, por exemplo, tenho pouquíssima tolerância pra quem erra comigo – e não espero que as pessoas com quem eu falho tenham tolerância comigo. aprendi, depois de expor meu trabalho nas redes sociais, que ficar me justificando para os outros é uma perda de tempo imensa, e é mais fácil bloquear um troll do que tentar convencê-lo a me validar.
já disse Zabela: “o mundo não é uma grande cartela de ovos.”
mas ser assertivo é ser emocionalmente responsável também: o silêncio, o block, o próprio ghosting e um “não” são simplesmente saber estabelecer limites.
gosto muito de um vídeo da Zabela em que ela fala sobre “devolver o desconforto” a quem nos deixou desconfortável. na minha opinião, esse é um exercício de responsabilidade emocional também, visto que as pessoas, principalmente das redes sociais estão muito confortáveis em tratar os outros com desrespeito sem sofrer consequências.
seja uma metamorfose ambulante
ao invés de ter resposta pra tudo, aprendi que uma das maneiras mais sábias de andar pela vida é aprendendo. e aprender é um exercício de humildade, curiosidade e flexibilidade que nos torna mais confiáveis com o passar do tempo.
a própria ciência se prova e descredibiliza com o passar dos anos, quando novas descobertas são feitas. nada no mundo é rígido, então por que suas respostas deveriam ser?
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mmmmm… acho que é isso por hoje! vejo vocês em breve – a partir de março, teremos posts SEMANAIS!!!
até já!
referências utilizadas
[1] https://www.clinicapsicabc.com.br/post/responsabilidade-emocional-e-afetiva
[2] https://www.telavita.com.br/blog/responsabilidade-afetiva/#:~:text=A responsabilidade afetiva é um,com as quais nos relacionamos.