mudar de caminho é sempre uma opção
em abril de 2023 eu comecei um podcast. resolvi chamar ele de luanova. a ideia surgiu enquanto eu conversava com uma amiga, e a gente iria desenvolver esse projeto juntas.
porque eu tinha medo de depender de outra pessoa, achei melhor começar sozinha. e foi melhor, mesmo. hoje em dia, nós nem somos mais amigas; já o podcast entrou pro top #10 do spotify brasil em apenas um ano de existência, ocupando a nona posição em janeiro de 2024.
me vejo, dois anos depois, mudando de caminho.
eu disse, em alguns episódios, que nenhum de nós precisa ser coerente com a nossa versão do passado. se queremos construir algo novo, precisamos ser coerentes com este objetivo, e não com o que fazíamos até então.
por exemplo: se eu quero deixar de ser ansiosa, eu preciso parar de me identificar como uma pessoa ansiosa, e preciso assumir a postura de uma pessoa calma. isso acontece na prática, indo pra terapia, utilizando menos as redes sociais e, sei lá, meditando um pouco.
muitas vezes acreditamos que basta querer, ou que basta afirmar. mas é a ação que transforma. não dá pra mudar sem que exista movimento.
mas esse movimento, mesmo que nos direcione pra algum lugar melhor, nem sempre é confortável.
é preciso deixar coisas pra trás – coisas boas, inclusive.
no tarot, o arcano 0, uma carta intitulada “o louco” demarca um grande início. ele é um símbolo de novo ciclo ou caminho começando. justamente por isso, comunica também um final: para que algo novo comece, existe algo que precisa ser superado, abandonado.
e a liberdade é essa coisa linda e assustadora, que nos diz “você pode ir pra qualquer lugar” mas nunca nos diz pra onde ir, exatamente. este é o ponto: cabe a nós escolher.
a todo momento, podemos estar diante de um novo caminho, basta escolher, mesmo. (bom, escolher e depois agir.)
neste episódio, vou usar minha história com o luanova podcast como plano de fundo para falar sobre novos caminhos, o arcano 0 do tarot e como a espiritualidade pode ser um exercício responsável.
o luanova surgiu pra unir dois assuntos de meu interesse: a espiritualidade (e por espiritualidade eu particularmente entendo práticas de bem estar, conexão com a natureza ou o universo, conscientização das coisas que existem de modo mais sutil e a fé), e a consciência de classe.
eu nunca fui religiosa. fui expulsa da catequese quando ainda criança porque eu perguntava demais; porque eu questionava Deus falando sobre evolução das espécies e igualdade entre os sexos.
antes disso, eu já me interessava por outras formas de enxergar o mundo, por isso lia sobre budismo, yoga, astrologia, protestantismo, ateísmo e até satanismo. a expulsão aconteceria, uma hora ou outra…
me encontrei um pouco na yoga, mas sendo sincera, não posso dizer que pratico integralmente essa (ou qualquer) filosofia. conforme fui crescendo, fui flertando com o individualismo, com a espiritualidade “nova era” e com algumas teorias meio bizarras.
mas sempre tinha algo que me mantinha presa ao chão: a consciência de classe. e que bom. não fosse ela, eu provavelmente estaria vendendo mentorias de R$ 5 mil, ensinando as pessoas a manifestar carros, casas e afins.
não que exista algo errado em querer ter conforto, segurança e até bens materiais específicos. o que eu sentia que havia de errado com muitos discursos espirituais era a exclusão do capitalismo como fator limitante.
muito se fala em crenças limitantes hoje em dia. “você precisa se libertar de suas crenças limitantes para poder manifestar…” mas pouco se fala no que as causa – o trauma.
e a pobreza é um trauma, assim como é a violência, assim como é a fome. o denominador comum entre todos esses traumas? o capitalismo.
o capitalismo precisa da violência para se sustentar, e quem fala disso com maestria na internet é Tiago Santineli e o Chavoso da USP.
ele também precisa da religião para “salvar” as pessoas de seus males. precisa que os fiéis reproduzam comportamentos contidos – eles devem conter o desejo e devem conter o afeto, só não devem conter seu dinheiro suado na hora de doar o dízimo.
precisa que sejamos produtivos para que grandes empresas gerem lucro, porque o lucro está acima de tudo: da dignidade, do estado, até mesmo da própria fé.
nesse sistema, somos educados a funcionar individualmente, e passamos a acreditar que nosso valor está necessariamente atrelado a TER coisas. esquecemos muito facilmente de SER (pensar, sentir, fazer) para merecer o afeto, a validação e o reconhecimento que desejamos.
e isso também é uma crença limitante.
porque sou formada em direito e fiz meu trabalho de conclusão sobre a comunicação não-violenta como ferramenta da justiça restaurativa, comecei a utilizar alguns princípios da CNV em minha própria vida.
de acordo com as práticas de não-violência (que aliás, existem em muitas culturas ao redor do mundo), a restauração acontece quando somos capazes de observar os acontecimentos, sentir nossas emoções, reconhecer nossas necessidades e solicitar seu atendimento.
e foi no contexto da elaboração do meu TCC que comecei a perceber que a não-violência poderia ser um recurso maravilhoso para a manutenção do bem-estar espiritual.
pouco tempo depois de formada, li “as veias abertas da américa latina”, de Eduardo Galeano.
me reconhecer como uma pessoa pobre, latinoamericana, mulher, assim como reconhecer o privilégio de ser branca e de ter tido acesso à educação, foi o que segurou minha percepção espiritual em um plano prático; foi o que me fez enxergar a espiritualidade como algo a se exercitar, e não somente a se apegar irracionalmente para justificar minhas tragédias ou meus sucessos.
autoconhecimento, para mim, é sobre reconhecer nossas origens, mas também o futuro que queremos experienciar e, em meio a tudo isso, observar e alinhar as práticas, as pessoas e os locais que se harmonizam com a gente. individualmente, mesmo.
por isso, desde o primeiro episódio do luanova, eu digo que o autoconhecimento e a não-violência são as vias mais eficientes para a restauração dos vínculos sociais e interpessoais da humanidade.
quando falo em não-violência, sei que é fácil pensar em gentileza ou passividade, mas como expliquei mais cedo, a não-violência é uma expressão desses 4 pilares da comunicação: observação, sentimento, reconhecimento e solicitação de necessidades.
algumas pessoas me dizem que não precisamos da espiritualidade para reconhecer que existimos coletivamente, e nesse ponto eu concordo: conhecer nossa história, nossas origens e nosso presente pode ser suficiente.
a espiritualidade importa pra mim, mesmo assim, porque eu me reconheço como um ser que experiencia uma realidade que não é integralmente tangível – há tanto que ainda não sabemos explicar!
pra mim, exercitar afirmações, rezas ou até rituais, se apegar a recursos não científicos e (querendo você) a práticas religiosas é uma forma de administrar a fé em nós mesmos, no universo ou (querendo você) em alguma entidade. é um jeito de se resgatar dos momentos difíceis e de se manter coerente nos momentos fáceis.
dito isso, acho importantíssimo lembrar que a ciência é a maneira mais eficiente que encontramos para medir a verdade, e até ela se retifica, de tempos em tempos, quando são descobertos critérios novos para avaliar algum fato. não falo isso pra me opor ao científico, muito pelo contrário: para mim, a mente científica deve ser curiosa, mais do que julgadora, e o luanova sempre foi um exercício da minha própria curiosidade espiritual.
atributo básico da mente de um cientista precisa ser a abertura para enxergar para além do convencional e, para isso, sinto que precisamos ter humildade para reconhecer que não sabemos de tudo.
é importante pra mim que fique claro que não estou afirmando nada – esse nunca foi meu objetivo. desde o início do luanova, minha intenção foi incentivar as pessoas a pensarem de modo independente.
e falando em independente, também acho que é preciso estabelecer a importância do individual, mesmo que sejamos seres naturalmente coletivos.
nascemos e morremos indivíduos separados do todo, mas passamos a vida inteira interagindo com ele. por isso eu tento olhar pra esses dois aspectos – a individualidade e as relações – tentando permear o caminho do meio. nem sempre eu consigo.
acredito na importância de nos individualizarmos enquanto pessoas: eu sou um conjunto da minha origem, das minhas experiências, crenças e das minhas heranças biológicas. mas eu também sou um ser autônomo, com vontades e aptidões próprias. por isso, não seria justo que eu permanecesse, sempre, limitado às opiniões do coletivo em que estou inserido. também não seria justo que eu me separasse plenamente dele.
eu acredito na importância de reconhecermos o nosso contexto, em suas limitações e potencialidades, para então criarmos nosso próprio caminho independente. porque muitas vezes o local limitado, hostil ou desafiador de onde viemos, é justamente o que permite com que criemos empatia e, honestamente? caráter. não estou tentando romantizar pobreza, abusos ou dificuldades, estou apenas apontando o caráter produtivo de nos olharmos com esse tipo de compaixão: eu vim desse lugar, e quero ir para aquele. portanto o meu caminho será só meu. não posso esperar pela aceitação ou pelo entendimento dos outros. mas também não preciso renegar o mundo que conheço.
acredito, sobretudo, no equilíbrio entre identificar os recursos que já tenho em mãos para experienciar a realidade que eu desejo, e reclamar os recursos que me faltam, porque permanecer inerte diante de uma injustiça é terminar de se render, ao mesmo tempo em que brigar o tempo todo com um sistema que escapa do meu controle é desgastar o meu bem-estar por uma causa já perdida.
existem batalhas que precisamos travar em um nível individual antes de mais nada. uma delas é o alinhamento dos nossos comportamentos. se eu digo que desejo viver com mais presença e intenção, sou eu quem precisa parar e questionar o que eu estou consumindo.
é mais eficiente questionar meus próprios hábitos de consumo e ajustá-los às minhas reais necessidades do que postar nos stories “veja o que todo o lixo produzido pelas grandes indústrias” e continuar comprando delas para estar na moda. isso, claro, só pra citar um exemplo.
porque, veja bem, o fato de eu consumir de modo mais consciente jamais vai salvar o planeta, e mesmo que eu e milhares de pessoas se conscientizem e comecem a consumir de modo mais intencional, ainda assim, as grandes indústrias continuarão a produzir mais lixo do que todos nós juntos, mas o ponto é: quando eu me alinho com a verdade que julgo ser a mais adequada, eu consigo experienciar ela em um nível individual. seria ideal que todos experienciassem a realidade dessa mesma forma? talvez. mas aí eu volto à questão da individualidade: você não conhece, particularmente, as origens e os desejos de todo mundo.
pra uma pessoa que veio da favela, comprar um nike pode ser uma expressão de liberdade que, para alguém que sempre teve acesso a um nike pode parecer futilidade.
é disso que eu falo quando falo que a revolução precisa ser individual, até certo ponto.até escrevi um livro sobre isso, ele se chama “uma revolução por vez” e está disponível na amazon.
esse livro conta, poema por poema, sobre o processo de individualização e autoconhecimento, e eu espero que seja uma leitura legal pra quem estiver interessado.
outro momento dessa revolução individual, que muitos chamam de “despertar espiritual” é perceber que muitos discursos religiosos e ditos espirituais têm o objetivo hostil de amansar o povo.
eles nos querem mansos, querem que a gente acredite que não tem como mudar as coisas. querem que a gente desista de mudar o mundo. querem nos fazer acreditar que sonhar com justiça social é uma utopia.
esse discurso nos leva a sermos excessivamente individualistas; passamos a acreditar que precisamos fazer, resolver e usufruir de tudo sozinhos, porque “ah, o mundo não tem salvação mesmo".
mas ninguém aqui tá falando sobre mudar o mundo inteiro…
às vezes um abraço que você dá em alguém já muda o rumo do dia, da semana daquela pessoa. um sorriso que você dá pra alguém na rua, sei lá, pode fazer total diferença na forma como aquela pessoa se enxerga.
às vezes o apoio que você da pra um amigo se converte em um apoio ainda maior dele para com você.
e às vezes não. e por que eu to falando isso? porque outra coisa que a gente vai aprendendo conforme vai crescendo espiritualmente é isso: nossa energia, nossos recursos, e aí entra nosso tempo, disposição, dinheiro e tudo mais, enfim, eles não são pra todo mundo. nem todo mundo deve ter acesso a nós. nem todas as batalhas merecem ou sequer precisam de nós.
o arcano do louco representa um salto de fé: ele não sabe pra onde está indo, nem sabe se a estrada é segura. decide continuar, no entanto, porque confia que tudo vai dar certo - confia em deus, no universo, ou confia que está preparado para qualquer circunstância que possa lhe atravessar o caminho. às vezes, ter fé, ser espiritual ou confiar no invisível é simplesmente isso. é acreditar que você tem o que é preciso pra chegar onde quer chegar. e o que você ainda não tem, é o próprio caminho que vai ensinar.
eu, por exemplo, não teria a menor condição de gravar esse episódio em 2023, quando comecei. por vários motivos. um deles sendo a falta de equipamento adequado, outro sendo a falta de experiência. nos meus primeiros eps eu falava igual a uma lesma…
não quero sentir medo de escolher um novo caminho. quero ser bem louca, e acreditar que vou saber lidar com o que vier. acreditar que tem coisas por vir que são boas, também. mesmo que eu ainda não saiba o que elas são, ou como vão chegar.
quero acreditar que esse episódio vai fazer uma diferença boa no dia de alguém, e que ele vai ser ouvido por pessoas capazes de compreender que, assim como qualquer ser humano, eu tô aqui aprendendo a viver também. e tentando oferecer o que tenho de melhor através do meu trabalho.
foi uma honra passar esses minutos na sua companhia. eu espero que você sinta o quanto você, você mesmo, vocêzinho que tá ouvindo essas palavras, é importante pra mim. muito obrigada por ouvir.
você pode apoiar o meu trabalho no botão “apoie” que está no meu site, ou pode se tornar um membro pelo meu substack ou pelo meu canal do youtube.
se quiser aprender a ler o tarot comigo, através da abordagem não-violenta, é só clicar no link “clube do tarot” que tá na descrição. e pra acompanhar minhas HQs, me siga no instagram @bibiandapelaterra.
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por hoje, é isso.
um abraço apertado (aqueles que estralam a coluna),
bibiana.
Salvei o seu texto e vou deixar salvo pra sempre! Que leitura edificante