a distorção da força sob o olhar patriarcal
desenhando o arcano 8 e falando sobre o patriarcado...
você provavelmente conhece a história de sansão e dalila, sabe, da bíblia. mas deixa eu refrescar tua memória brevemente:
sansão era um juiz de israel, escolhido por deus e abençoado com uma força sobrenatural, desde que mantivesse seu religioso (não cortar o cabelo, não beber vinho, etc.). ele lutou contra os filisteus usando sua força para feitos incríveis, como matar um leão (e por favor, lembre dessa parte do leão) e derrotar mil homens.
dalila era uma mulher filisteia por quem sansão se apaixonou. ss líderes filisteus a subornaram para descobrir o segredo da força de sansão.
depois de muita insistência, Sansão revelou que sua força vinha de seu cabelo não cortado (símbolo de seu voto a deus). dalila o traiu, cortando seu cabelo enquanto ele dormia. sem sua força, sansão foi capturado, cegado e escravizado pelos filisteus. no entanto, seu cabelo cresceu novamente, e, em um último ato de força, ele derrubou as colunas de um templo filisteu, morrendo junto com seus inimigos.
agora, deixa eu te contar outra história: no tarot, o arcano da força (que em alguns baralhos é o arcano 8, e em outros é o arcano 11), mostra uma mulher abrindo gentilmente a boca de um leão. o folclore por trás da carta conta que o leão engoliu uma joia que pertencia a essa mulher. ela poderia, assim como sansão, ter matado esse leão, ou talvez ter pedido a outras pessoas que o matassem, e assim ela poderia abrir a barriga do animal e recuperar sua joia.
o que ela fez, no entanto, foi se aproximar do leão com calma, acariciando-o e mostrando ser uma pessoa de confiança. ela explicou, respeitosamente, para ele, que aquela joia era muito importante e que ela precisava dela de volta.
o leão voluntariamente abriu sua boca, permitindo que a mulher enfiasse a mão em sua garganta e puxasse a joia.
duas narrativas espirituais. duas visões bem diferentes sobre o feminino.
oi, meu nome é bibiana, eu sou uma escritora e cartunista brasileira independente e estou ilustrando o meu próprio baralho de tarot.
no episódio de hoje, vou ilustrar a carta da força e conversar um pouco sobre sua simbologia.
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na história da bíblia, dalila, a mulher, era uma traidora, foi facilmente ludibriada, subornada e simbolicamente acabou com a força sansão.
na história do tarot, a mulher utiliza uma abordagem não-violenta e honesta pra recuperar algo que lhe pertencia.
duas histórias contrastantes, e com propósitos educativos facilmente identificáveis.
na primeira, estamos educando os homens e as mulheres a olharem para o feminino como o sexo frágil, subornável, mas não só isso: estamos ensinando que a força do feminino (a capacidade de seduzir e conduzir os outros amorosamente) é utilizada com a finalidade de manipular as circunstâncias em favor do inimigo. o mesmo acontece na história de adão e eva, em que a mulher é facilmente enganada pela cobra e acaba manipulando adão a provar do fruto proibido.
já na segunda história, estamos ensinando um indivíduo que existe mais de uma abordagem pra força, e devemos saber quando usar cada uma dessas abordagens.
muitas vezes, ser forte é ser capaz de olhar para o outro e entender de que ponto partem suas ações; é tratar o outro como um igual, ao invés de competir com ele; é chegar a uma solução junto do outro.
no caso da força, foi preciso que se estabelecesse uma confiança mútua entre a mulher e o leão para que a solução fosse alcançada. o leão poderia muito bem ter arrancado seu braço uma vez que ela colocasse a mão em sua boca, mas não o fez, porque entendeu que a contrapartida tinha sido dada: a mulher poupara sua vida – diferente de sansão, que matou um leão.
mas a força, no tarot, não fala só sobre usar a força pra defender um propósito ou uma posse. ela também é um arcano sobre independência, autoexpressão e empreendedorismo (no mais amplo de seus sentidos).
associada ao signo de leão e portanto ao sol, também, a força é intelectual: ela identifica formas de expressar para o mundo uma ideia, um projeto, uma forma de ser, e é altamente individual no sentido de se apropriar de seus próprios sonhos, ao mesmo tempo em que é colaborativa na hora de tornar esses sonhos realidade.
pessoalmente, em alguns momentos eu enxergo o leão dessa carta como os nossos instintos mais selvagens, nossos impulsos e reações não filtradas, enquanto a mulher assume a posição de domadora dessas urgências. e essa é a força do aspecto feminino de todos os corpos que muitas vezes esquecemos (ou que sequer conhecemos, tendo sido educados por narrativas sexistas a vida inteira): a influência.
quem tem mais acesso ao seu próprio mundo emocional, tem mais domínio sobre esse mundo, e conseguem identificar, no outro, o que marca, o que é bem ou mal recebido, o que convence.
a influência é uma força incrível quando usada com uma finalidade nobre. mas quando usada com intenções distorcidas, é uma força arrebatadora.
mas por que tantas histórias dão à mulher esse papel de manipular, e não de convencer, de liderar?
algumas narrativas são construídas de forma a legitimar a subordinação das mulheres aos homens, reforçando padrões de comportamento machistas. o poder de uma história é este: avalizar.
na bíblia, passagens como a criação da mulher após o homem em gênesis, a punição por adultério no novo testamento e a ideia de submissão em efésios são frequentemente usadas para sustentar a desigualdade entre os gêneros.
mas a gente não precisa se limitar a discursos religiosos, na TV e hoje nos serviços de streaming não é difícil encontrar filmes e séries que reforçam certos aspectos da feminilidade e da masculinidade que não necessariamente refletem o melhor uso dessas energias (ou desses conceitos).
assistimos quase todos os dias a mulher intelectual que também é sexy, a mulher doce e burrinha que ama comprar coisas, a mulher dominante que é demoníaca, assim como o homem forte que é frio e calculista, o homem que não fala sobre seus sentimentos e que somente se apaixona de verdade quando a mulher mostra pra ele que não é só uma mulher bem sucedida, mas ela também é uma ótima mãe e o sonho dela é se casar.
não to afirmando (mas também não to negando) que essas narrativas sejam construídas com o propósito de nos manter cativos dos papeis atribuídos aos gêneros, o que estou dizendo é que as histórias que consumimos fazem a manutenção da nossa visão de mundo.
por isso é importante conhecer narrativas diferentes, de outros lugares, culturas, de outros tempos…
o tarot é um baita recurso pra se conectar com essas histórias.
minha versão do arcano 8 é essa (explicar)
se você quiser expandir o seu entendimento sobre as cartas que crio, você pode participar das minhas lives semanais: toda segunda às 10h tem live com leituras de tarot pra semana e uma discussão mais aprofundada sobre cada um dos arcanos. você também pode se tornar membro aqui do canal pra acessar a gravação dessas lives a qualquer momento.
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